Ministra Marina Silva defende políticas de recuperação de áreas degradadas, com transferência de tecnologia, valorização do conhecimento tradicional e agricultura sustentável. Discussões sobre o tema resultaram em declaração conjunta de 150 países
A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, debateu, neste domingo (10/12), durante uma coletiva realizada na COP 28, em Dubai, o papel da agricultura no contexto dos esforços mundiais voltados para o combate às mudanças climáticas e para a assegurar segurança alimentar. O tema ganhou força nesta Conferência das Nações Unidas para Mudanças Climáticas e resultou em declaração assinada por representantes de 150 países, entre eles o Brasil (link para texto em inglês).
Estamos trabalhando fortemente em um programa de bioeconomia, de valorização da biodiversidade, para que possamos encontrar alternativas que não seja transformar a floresta em áreas para a agricultura. Temos mais de 300 milhões de hectares de área agricultável. O Brasil não precisa mais avançar sobre as florestas”
Marina Silva, ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima
“Pensar na segurança alimentar do planeta é um desafio posto nesta COP. Faz parte desse processo, para que tenhamos uma transição justa, que se abra mercados para produtos vindos da bioeconomia, de agriculturas e de sistemas resilientes, baseados em soluções encontradas na natureza”, afirmou a ministra, que chefia a delegação brasileira na Conferência das Nações Unidas para Mudanças Climáticas nos Emirados Árabes Unidos.
A ministra conectou o tema à discussão sobre perdas e danos realizada ao longo da COP, citou o exemplo brasileiro na última década e enfatizou que o prejuízo nas cadeias de produção afeta de forma desigual as camadas mais vulneráveis.
“Nos últimos dez anos tivemos uma perda de cerca de 57 bilhões de dólares em relação à questão agrícola no Brasil. A maior parte tem a ver com eventos extremos, seja por grandes estiagens, seja por chuvas torrenciais. Isso aumenta o preço dos alimentos e afeta os mais vulneráveis. Cada vez mais você tem uma cadeia que desestrutura outros aspectos da vida e da dinâmica das pessoas”, explicou.
FLORESTAS – A ministra também debateu o papel das florestas brasileiras no processo de produção de alimentos e afirmou que o Brasil não precisa avançar sobre o bioma para ampliar a produção. “Estamos trabalhando fortemente em um programa de bioeconomia, de valorização da biodiversidade, para que possamos encontrar alternativas que não seja transformar a floresta em áreas para a agricultura. Temos mais de 300 milhões de hectares de área agricultável. O Brasil não precisa mais avançar sobre as florestas. Além de preservar o que temos, vamos restaurar áreas que já foram abertas e que estão abandonadas ou com baixa produtividade, fazendo o replantio com espécies nativas na perspectiva de ser um grande sumidouro do carbono”, destacou.
Nesse contexto, o Governo Federal editou nesta semana um decreto publicado no Diário Oficial da União com potencial de quase duplicar a área de produção agrária nacional sem que isso implique derrubadas de florestas ou prejuízos para biomas. O texto cria um programa que prevê a conversão de pastagens degradadas em sistemas de produção agropecuários e florestais sustentáveis. A intenção é promover e coordenar políticas capazes de converter áreas atualmente inutilizadas para o fomento de boas práticas agropecuárias que levem à captura de carbono em nível superior ao da pastagem degradada.
Atualmente, cerca de 18,5% da área total do território nacional estão ocupados por pastagens (159 milhões de hectares), dos quais 78% estão sob degradação intermediária a severa. As áreas sob agricultura representam 7,5% do território nacional (65 milhões de hectares).
“Esse programa prevê a recuperação de quase 40 milhões de hectares de terras degradadas. É plenamente possível a gente manter a floresta intacta e ter terra para plantar o que a gente quiser com o avanço da genética, da engenharia. A gente vai poder praticamente dobrar a produção em mexer em nenhum bioma nosso”, afirmou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva em sua passagem pela COP 28, em Dubai, na semana passada.
O decreto está conectado à política de transição ecológica do Governo Federal e integra os conceitos do Novo PAC. É visto como essencial para o desenvolvimento sustentável e a recuperação ambiental com vegetação nativa. Tem potencial de promoção de emprego, renda e benefícios sociais e mitiga impactos ambientais.
CONECTIVIDADE – A ministra ainda lembrou que o Governo Federal tem implementado um grande ajuste em seus processos de produção, de modo a interligar todos os setores em torno da agenda verde. “O Brasil está fazendo uma mudança, um planejamento em relação a seus processos produtivos. Já temos um plano de transformação ecológica. Dentro desse plano estão diferentes setores: energia, mobilidade, indústria, agricultura… O que estamos trabalhando é que tenhamos uma agricultura de base sustentável, de baixo carbono, mas que também seja sustentável do ponto de vista econômico, social, ambiental e cultural”.
TECNOLOGIA – Outro ponto abordado pela representante do Brasil foi como a tecnologia deve ser compartilhada entre as nações, de modo a garantir um ganho global na produção agrícola em contrapartida às perdas causadas pelas mudanças climáticas, e como os conhecimentos dos povos tradicionais não podem ser ignorados nesse processo.
É preciso considerar aqueles que têm conhecimento tradicionais associados aos sistemas agrícolas, produtores familiares, pessoas que historicamente vivem da produção agrícola e conseguem ter o conhecimento associado às dinâmicas dos recursos naturais, dos regimes de chuva, dos regimes produtivos em termos das regularidades naturais”
“Falamos da importância de termos o aumento da tecnologia para que possamos aumentar a produção por ganho de produtividade. Mas sabemos também que não se trata apenas da tecnologia ligada à ciência moderna. É preciso considerar aqueles que têm conhecimento tradicionais associados aos sistemas agrícolas, produtores familiares, pessoas que historicamente vivem da produção agrícola e conseguem ter o conhecimento associado às dinâmicas dos recursos naturais, dos regimes de chuva, dos regimes produtivos em termos das regularidades naturais. Temos que favorecer essas comunidades, de pequenos agricultores, de agricultores familiares. Ter financiamento para essas comunidades é muito importante”, frisou.
BIOMAS – Outro ponto ressaltado foi o impacto das mudanças climáticas na alteração do perfil de alguns biomas. “Pela primeira vez identificamos cientificamente no Brasil uma área que está se tornando deserto. Não tínhamos regiões de deserto no Brasil. Tínhamos apenas áreas com escassez hídrica, semiáridas, que envolvem mais de 13 milhões de pessoas. Mas, agora, temos a realidade de deserto”, alertou.
Para a ministra, o resultado desse quadro é a alteração de modelos e tradições que até então as sociedades estavam acostumadas a adotar. “Isso significa que as mudanças climáticas estão afetando drasticamente aspectos sociais, econômicos e culturais de segmentos de populações que já não conseguem mais viver da forma como historicamente viviam”.
A ministra também destacou o compromisso do governo brasileiro de chegar a desmatamento zero em 2030. “Já temos no Brasil uma meta de desmatamento zero, não só em relação à Amazônia, mas em relação a todos os biomas brasileiros. E essa meta trabalha em função da mudança desse modelo de desenvolvimento”, lembrou.