COP30 chega ao fim sem dar solução para a queima de combustíveis fósseis e o desmatamento

A declaração principal da conferência, chamada de Decisão Mutirão, não menciona os combustíveis fósseis em nenhum momento

A COP30 chegou ao fim na noite de sábado com uma série de textos importantes aprovados, mas sem avançar em soluções para as duas principais causas do aquecimento global: a queima de combustíveis fósseis e o desmatamento.

A declaração principal da conferência, chamada de Decisão Mutirão, não menciona os combustíveis fósseis em nenhum momento, nem mesmo no sentido de reafirmar um compromisso que já havia sido acordado dois anos atrás, de que é necessário “transitar para longe” dessas fontes poluentes de energia.

O tema não estava na agenda oficial da conferência, mas havia uma forte pressão política por parte do Brasil, da Colômbia e outros países, para que a COP apresentasse um “mapa do caminho” para a eliminação gradual do uso desses combustíveis e do desmatamento em escala global. Ainda assim, não foi possível chegar a um consenso para incluir esses planos de ação na declaração final da conferência.

A solução encontrada pela presidência brasileira da COP foi anunciar a criação de uma iniciativa paralela, em que um grupo de países discutirá a construção desses mapas fora do âmbito das Nações Unidas, a começar por uma nova conferência, específica sobre isso, a ser realizada na Colômbia em abril do ano que vem. A ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima do Brasil, Marina Silva, reconheceu as limitações do que foi acordado, mas disse que foram obtidos avanços, ainda que modestos.

“Se pudéssemos voltar ao tempo e conversar com nós mesmos na Rio 92, o que aquelas versões de nós nos diriam ao olhar para os resultados de hoje; certamente, nos diriam, antes de tudo, que sonhávamos com muito mais resultados, que esperávamos que a virada ambiental seria mais rápida; que a ciência seria suficiente para mover decisões, que a urgência falaria mais alto que qualquer outro interesse. Em que pese ainda não ter sido possível consenso, para que esse fundamental chamado entrasse entre as decisões dessa COP, tenho certeza que o apoio que recebeu de muitas partes e da sociedade fortalece a compromisso da atual presidência de se dedicar para elaborar dois mapas do caminho: um sobre deter e reverter o desmatamento; outro sobre a transição para longe dos CF de maneira justa ordenada e equitativa. Ambos serão guiados pela ciência e serão inclusivos.”

Marina aplaudida de pé

Marina participou ativamente das negociações em Belém e foi aplaudida de pé por vários minutos na plenária final da conferência, protagonizando um dos momentos mais emocionantes da COP30. A conferência estava prevista para acabar na sexta-feira (21), mas acabou se estendendo até a noite de sábado em função da dificuldade de se chegar a um acordo sobre diversos temas da agenda. As conversas se estenderam durante toda a madrugada, com 17 horas seguidas de negociação. Todas as decisões da COP precisam ser tomadas por consenso — ou seja, com a concordância absoluta de todos os países envolvidos.

A secretária-executiva da COP30, Ana Toni, celebrou os resultados da conferência, que enfrentou enormes dificuldades para ser realizada e ocorreu num período bastante desfavorável do ponto de visto geopolítico — em função das guerras e do abandono do Acordo de Paris pelos Estados Unidos. “A gente conseguiu dar passos firmes no multilateralismo climático nessa COP. Chegou na COP numa geopolítica muito, muito, muito delicada, muito difícil, e a comunidade, com todos os percalços que tiveram, a comunidade internacional chegou aqui em Belém, veio para Belém, trouxe uma solidariedade muito grande com todos nós, que conseguiu aprovar 29 textos, conseguir consenso com 195 países neste momento da geopolítica, num tema que a gente sabe que não tem consenso no mundo, que é a mudança do clima. Eu acho que esse é um grandíssimo legado da COP30.”

As decisões mais importantes da conferência foram aprovadas na forma de um pacote, chamado Pacote de Belém, voltado principalmente para os temas da transição justa, do apoio financeiro e da adaptação aos efeitos das mudanças climáticas nos países em desenvolvimento. Nas palavras de Ana Toni: “Eu acho que, nesta COP, a gente colocou a agenda de adaptação em um outro patamar, de qualquer outra COP, aprovando, por exemplo, triplicar o financiamento para adaptação através de provisão 2035. Esse é um marco que, para muitíssimos países em desenvolvimento, tem tido essa tentativa há muitas COPs, de colocar adaptação no mesmo nível. E acho que isso vai ficar uma marca, porque acho que daqui para frente, junto com atores como as cidades e os Estados, os planos de adaptação, não só no Brasil, no mundo inteiro, vão ficar realmente muito grandes”.

O foco em adaptação é necessário diante do agravamento acelerado das mudanças climáticas e da ocorrência de eventos extremos, como tempestades, secas e ondas de calor.

Decisão Mutirão

A chamada Decisão Mutirão reafirma a compromisso dos países com o Acordo de Paris e com a meta de manter o aquecimento do planeta abaixo de 1,5°C, mas oferece muito pouco em termos de ações práticas para alcançar esses objetivos. A superintendente de gestão ambiental da USP, Patrícia Iglecias, lamentou o fato de os combustíveis fósseis terem sido excluídos do texto final, já que são eles os responsáveis por 80% das emissões de gases do efeito estufa, que estão superaquecendo o planeta. “Bem, Herton, eu acho que não tem como negar que o resultado foi decepcionante. Nós esperávamos ter uma previsão de um mapa, de um caminho para a transição energética, para a eliminação dos combustíveis fósseis, isso de fato não aconteceu. E agora fica esse questionamento por parte dos cientistas da formação de um painel científico que possa discutir qual seria esse encaminhamento.”

Na avaliação do professor Paulo Artaxo, do Instituto de Física da USP, os interesses econômicos e geopolíticos, associados à indústria do petróleo, acabaram levando a melhor na conferência. “Observou-se nesta COP30 que o lobby da indústria do petróleo acabou vencendo o interesse dos 7,7 bilhões de pessoas em nosso planeta que vão sofrer impacto significativo das mudanças climáticas. Mas, apesar disso, esta COP foi muito intensa em discutir a ciência, a sociedade civil teve uma participação que eu não vi em nenhuma das últimas oito ou nove COPs anteriores. Portanto, eu acho que a COP mostrou um vigor importante da comunidade científica, sugerindo soluções para a questão climática, a sociedade civil fazendo o mesmo trabalho, e a questão das comunidades indígenas também contribuíram para esse debate. Desses pontos de vista, a COP trabalhou muito bem.”

Artaxo faz parte de um grupo de cientistas que foi organizado para aconselhar a presidência da COP nas discussões da conferência. Segundo ele, os pesquisadores continuarão a trabalhar com a liderança brasileira na construção de um mapa do caminho para libertar o planeta da dependência dos combustíveis fósseis e do desmatamento, com apoio da Academia Brasileira de Ciências e da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência.

O presidente da COP30, embaixador André Corrêa do Lago, encerrou a conferência por volta das 8h30 da noite de sábado. Visivelmente cansado e emocionado, ele disse que a COP não era apenas um evento, mas um processo, e que a importância dos textos aprovados no Brasil será compreendida e assimilada no decorrer desse processo. “Minha capacidade de dizer alguma coisa sobre a COP está limitada, porque o sono ainda está longe de ser equilibrado. Mas, sincerissimamente, eu acho que a COP30 foi muito, muito boa. E, naturalmente, na medida que a COP avançava, a gente ficava imaginando coisas que a gente podia ter feito, que a gente podia ter desenvolvido. Mas, por outro lado, a gente foi vendo o resultado das coisas que a gente tinha previsto. E eu acho que isso é uma das coisas mais legais dessa COP. Eu realmente estou muito feliz.”

As COPs são conferências anuais que reúnem todos os países signatários da Convenção Quadro sobre Mudanças Climáticas da ONU para debater o enfrentamento da crise climática global. O Brasil segue agora na presidência desse processo até a realização da próxima conferência, prevista para ocorrer em 2026, em Istambul, na Turquia.

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