Lula: “Cuidar da floresta é mais rentável que derrubar árvores”

À imprensa japonesa, presidente da República ressalta empenho para ampliar parceria com o Japão para proteção do meio ambiente e expansão da relação comercial

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva receberá o primeiro-ministro do Japão, Fumio Kishida, em visita oficial no Palácio do Planalto. Em virtude desta agenda, o líder brasileiro concedeu entrevista à imprensa japonesa e abordou temas de interesse de ambos os países, como a cooperação para a preservação da floresta amazônica.

“Espero que o Japão compartilhe com o Brasil a política de manutenção da floresta que nós queremos ter. Manter uma floresta em pé custa muito dinheiro. E, para isso, nós temos que levar em conta as pessoas que moram embaixo da copa das árvores. Nós precisamos dar a essa gente a certeza de que cuidar da floresta é mais rentável para eles do que derrubar árvores. E, é nesse aspecto que eu acho que o Japão pode contribuir conosco”, destacou Lula a profissionais da imprensa japonesa.

A recuperação de áreas de floresta degradadas no país será o assunto da reunião, nesta quinta-feira (2), do presidente Lula e do ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, com a agência de cooperação japonesa (JICA), que deve anunciar investimentos neste segmento. “Ou seja, em vez de derrubar árvores, nós vamos plantar árvore porque temos aqui no Brasil uma agricultura muito forte e os nossos empresários e trabalhadores sabem que quanto mais descarbonizada for a nossa agricultura, mais chance a gente tem de vender os nossos produtos no exterior e mais saudável será a comida que nós vamos comer”, argumentou o presidente.

Lula ainda expressou a vontade de ampliar o comércio com o país asiático. “A relação comercial entre o Brasil e o Japão é pequena se levarmos em conta que os dois países juntos somam mais de 300 milhões de habitantes. Achamos que o Brasil é uma oportunidade de investimentos do Japão, sobretudo no que diz respeito à transição energética”, argumentou.


Confira os principais trechos da entrevista do presidente Lula:

RELAÇÕES EXTERIORES — Eu voltei à Presidência com o objetivo de recuperar não apenas a democracia interna, mas também de recuperar as boas relações que o Brasil sempre teve. O Brasil é um país que não tem contencioso com nenhum país. Aqui na América do Sul, nós somos considerados uma zona de paz. E eu, nesses menos de 14 meses, já fiz reuniões na União Europeia, com toda a América Latina, com mais de 60 países. Eu já fiz reunião na União Africana com 54 países da União Africana. Já fiz reunião com o G20, já fiz reunião com os BRICS, já fiz reunião com o CARICOM, que é uma reunião com todos os países do Caribe, que são 15 países, e já fiz uma reunião com a CELAC, que são todos os países da América do Sul e do Caribe, que são 33 países. Então, eu já me reuni coletivamente com mais presidentes de países em um ano e quatro meses do que eu me reuni nos oito anos passados.

G20, COP E BRICS — O Brasil pretende, na relação com o G20, humanizar um pouco os políticos. Humanizar um pouco a burocracia — que ela é muito grande no mundo. E ver se o ser humano fica “menos algoritmo” e “mais humanista”, mais fraterno, mais solidário, mais carinhoso com o ser humano. Nós não precisamos de violência, nós precisamos de muita paz, muito carinho, muito amor. Para que a gente possa construir esse mundo perfeito que todo mundo sonha. A gente quer fazer a COP na Amazônia, para a Amazônia falar para o mundo. E vai ter os BRICS no ano que vem no Brasil também. Então, é uma quantidade de reuniões internacionais que nós temos que aproveitar para tentar humanizar a nossa cabeça e os nossos corações.

CLIMA — É importante que sejam aprimorados esses fóruns internacionais, porque muitas vezes nós decidimos coisas importantes que não são colocadas em prática. Vamos pegar como exemplo o Protocolo de Kyoto, maravilhoso, extraordinário, mas ninguém colocou em prática. Vamos pegar o Acordo de Paris, extraordinário, mas ninguém colocou em prática. Por que é que não se coloca em prática? Por que? Em se tratando de questão ambiental, já que nós estamos submetidos ao mesmo ar, às mesmas correntes oceânicas, as decisões nunca deveriam ser do Estado Nacional, mas, sim, de uma governança mundial. Ou seja, você decide uma coisa importante na questão do clima e aquilo passa a ser uma obrigação de todos os Estados colocarem em prática, do Japão ao Brasil, da China aos Estados Unidos, todo mundo, não importa o que pensa individualmente, importa que foi aprovado e que todo mundo tenha que cumprir, que é a única maneira de salvar o planeta.

RELAÇÃO COMERCIAL — Posso afirmar para vocês que os japoneses que tiveram a ousadia de vir para o Brasil em busca de oportunidades nos ajudaram (e nos ajudam) muito a ser o que nós somos hoje. A relação comercial entre o Brasil e o Japão é uma relação pequena se levarmos em conta que os dois países juntos somam mais de 300 milhões de habitantes. Nós já tivemos um fluxo comercial de 21 bilhões de dólares e que hoje está reduzido a 11 bilhões de dólares. Ou seja, caiu o nosso fluxo de comércio e isso não é bom. Primeiro, porque o Brasil é um país com potencial muito grande. Segundo, porque o Japão é um país que, por todas as informações que a gente sabe, embora seja um país rico, tem a economia um pouco estagnada há algum tempo, e nós achamos que o Brasil é uma oportunidade de investimentos do Japão, sobretudo no que diz respeito à transição energética.

AMAZÔNIA — O Japão foi um dos primeiros países a colocar dinheiro no Fundo amazônico para ajudar a cuidar da floresta. E nós não queremos transformar a Amazônia no santuário da humanidade. O que nós queremos é compartilhar com o mundo a riqueza da biodiversidade da Amazônia, para que cientistas do mundo inteiro possam nos ajudar a tirar proveito da riqueza da biodiversidade em benefício dos milhões de brasileiros que moram na Amazônia, que devem receber os benefícios da manutenção da floresta em pé. Porque tem um preço manter a floresta em pé. O Brasil tem o compromisso de chegar em 2030 com desmatamento zero.

ÁREAS DEGRADADAS — O Brasil tem uma política não apenas de preservação da floresta hoje existente, mas nós temos o compromisso de recuperar 40 milhões de hectares de terras degradadas com novos reflorestamentos. Então, nesse aspecto, o Brasil também se apresenta com muita capacidade de construir parcerias com outros países. E nós queremos construir com o Japão. Na quinta-feira, vou me reunir com o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, e com esse banco chamado Jica, que vai anunciar investimento na recuperação de áreas degradadas do Brasil. Ou seja, em vez de derrubar árvores, nós vamos plantar árvore porque nós temos aqui no Brasil uma agricultura muito forte e os nossos empresários e trabalhadores sabem que, quanto mais descarbonizada for a nossa agricultura, mais chance a gente tem de vender os nossos produtos no exterior e mais saudável será a comida que nós vamos comer.

AMÉRICA DO SUL — O mundo rico, em 2009, em Copenhague, prometeu 100 bilhões de dólares anuais para os países que preservassem a floresta. Até hoje, estamos aguardando esse dinheiro. Nós vamos ter mais uma COP, esse assunto vai ser discutido, e eu espero que o Japão seja parceiro dos países que têm floresta. Aqui na América do Sul, nós somos oito países com bastante floresta. Você tem o Brasil, você tem a Venezuela, Peru, Colômbia, Equador, Bolívia, Guiana e Suriname. Então, é preciso recurso para que a gente leve muita a sério essa questão da transição energética.

VISITA DO PRIMEIRO-MINISTRO — Fico feliz com a vinda do primeiro-ministro japonês ao Brasil. Nós temos outras convergências. Participamos de um grupo chamado G4, que é o grupo que defende mudanças no Conselho de Segurança da ONU, e Brasil, Japão, Alemanha e Índia fazem parte desse grupo, que não apenas queremos participar como membros permanentes do Conselho de Segurança, como defendemos a ampliação do Conselho de Segurança para outros países, para que a gente dê atualidade à geopolítica que as Nações Unidas hoje não têm. Então, por tudo isso, é muito importante a vinda do primeiro-ministro aqui. E também por conta do encontro que ele vai ter em São Paulo com empresários brasileiros e japoneses.

PREVISIBILIDADE — Com relação à bioenergia, o Brasil tem uma oportunidade, eu diria, única nesse século 21. Primeiro porque o Brasil é um país que está com a sua economia estabilizada — eu, quando disputava as eleições, dizia que todo mundo deseja algumas coisas em qualquer país: você precisa de estabilidade política, você precisa de estabilidade econômica, você precisa de estabilidade fiscal, você precisa de estabilidade social e você precisa de previsibilidade das coisas que vão acontecer no mundo. E o Brasil oferece tudo isso. Temos o desejo de fazer o Brasil se transformar em uma das seis maiores economias do mundo. E, por isso, eu acho muito importante essa aproximação do Brasil com o Japão.

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